quarta-feira, 25 de maio de 2011

Ser Jornalista...

Tive a oportunidade de conhecer esse texto de Ciro Marcondes Filho durante minhas leituras introdutórias a Teoria da Comunicação I, sei que nem todos que aqui visitam são ou pretendem ser jornalistas, porém se assim acontece, acho importante que se veja esse texto.



Um dia eu quis ser jornalista. Estar próximo dos espaços de poder, saber as coisas antes dos outros, ter oportunidade de viajar, correr o mundo, poder escrever livremente, “pôr a pena na ferida”, como dizem os franceses. Um dia quis trabalhar num jornal. Divulgar bem alto minhas opiniões, meu modo de ver o mundo, meu protesto... Eu estava banhado do sentimento oceânico. Acreditava, cartesianamente, que minha consciência era o centro do mundo e que o planeta girava porque eu assim o desejava.
Muitos quiseram ser jornalistas pelos mesmos motivos. Especialmente hoje em dia, quando televisões, jornais, emissoras de rádio, canais da internet funcionam para nos projetar, para que tenhamos a ilusão de realizar algo, de abandonar nossa existência insignificante.
Quem entra para uma faculdade de jornalismo, ainda está acometido deste mal, desta deturpação da visão e da capacidade de sentir a realidade, pois acredita que ser jornalista é um atributo que confere às pessoas capacidades de mudar o mundo. Mas não. Nos primeiros contatos com uma redação de jornal, na primeira pauta que recebe para cobrir, na primeira decepção ao ver o editor transformar sua matéria, o pobre infeliz se dá conta de que as coisas são um pouco mais complicadas. De que o jornalismo faz parte de uma instituição grande e poderosa chamada “imprensa”, que tem seus donos, suas políticas, suas preferências; de que, se ele quiser continuar por lá, deverá rezar direitinho conforme o credo, aprender os passos para não errar na dança.
Ser jornalista não é ser livre, nem independente, nem poderoso, muito menos acima do bem e do mal. Ser jornalista, na maior parte das vezes, é batalhar dia após dia, de sol a sol, estar disponível em domingos, feriados, sair da redação em plena madrugada, passar minguados horários livres no boteco da esquina, reclamando da vida.
Ser jornalista é malhar, ralar, se estressar, se decepcionar, não ser reconhecido, se frustrar, recomeçar tudo outra vez, tentar novamente e continuar. Já se disse que todos aqueles que não davam para nada iam ser jornalistas. É possível. Exatamente porque pra ter estomago para suportar tudo isso é preciso que seja alguém muito especial, um tipo humano capaz de quase tudo, de tomar chuva, de ficar encharcado para aguardar um pronunciamento do político; de conviver e tomar sopa com mendigos para poder noticiar o problema dos albergues noturnos; de se enfiar numa mina e sair totalmente sujo para relatar os problemas da profissão de mineiro.
Por isso, jornalista é um ser especial, nascido para isso e talhado para o trabalho duro. Por ideal e por gosto. Porque acredita que, embora reconhecendo todas as ilusões da profissão, mesmo assim, encontra sentido nela. E vê, além disso, uma nobreza singular em servir de intermediário entre o poder e o povo, entre as classes abastadas e a plebe rude, entre a justiça e a injustiça.
Já se falou muito que o ser jornalista corre sempre o risco de se perder, de se corromper por viver muito próximo aos poderosos. Sim, tem também esse tipo de jornalista. Como tem aqueles que são fracos, despreparados, mal sabem falar, menos ainda escrever, mas que insistem, acham que vão melhorar quando adquirirem mais experiência.
Ser jornalista é algo que o ser jornalista sempre pretendeu. Porque além das dores e das frustrações cotidianas estará um profissional que se vê diante de uma missão, como na religião; é isso que ele pode e quer fazer. Não somos nada, não podemos nada, o mundo é essa máquina acéfala e cega que nos leva sabe-se lá para onde... E o fato de termos consciência de não sermos nada nos atira, normalmente, num mar de resignação e de tristeza.
É ai que o jornalista difere dos demais. Porque ele transfere corpo e alma para seu trabalho, não quer se corromper, quer manter a integridade de sua vocação e de sua convocação para a realização de seus ideais. Um dia, se tiver competência e persistência, conquistará uma coluna própria poderá falar o que quiser, será lido e ouvido por milhares de pessoas. Mas essa vaidade nem sempre interessa. Afinal, quase todos que aí chegaram não passavam de sujeitos pretensiosos, arrogantes, que se levavam muito a sério. Ridículos.
Não, o ser jornalista, para chegar de fato a ser jornalista, no sentido estrito, terá, um dia, atingido a consciência de que seu trabalho é pequenino, como o de um varredor de rua, de um entregador de gás, de um cobrador de ônibus. E que não há trabalhos grandes, apenas trabalhos honestos. E sinceros. E repassar aquilo que se viu, ouviu é de especial delicadeza se o outro, aquele que recebeu, pôde se emocionar, se sensibilizar, se entristecer ou se animar, em suma, se a mensagem proferida teve a qualidade de ver o outro como um ser humano, tão digno de atenção e respeito como ele mesmo, que tanta porrada teve que tomar na vida para aprender esta singela lição. Que não há nada mais importante que o anonimato que o anonimato de um trabalho decente.
Granja Vianna, 8 de setembro de 2008.
Ciro Marcondes Filho

Minha Visão - Caso Escola Base



A história do Caso Escola Base tem início em março de 1994 quando duas mães desesperadas com a possibilidade de seus filhos estarem sendo vítimas de abuso sexual dentro da escolinha em que estudam vão ao 6º DP, no Cambuci, bairro da zona sul de São Paulo, prestar queixa contra os diretores da escola.

Segundo as mães os diretores da escola acompanhados de dois sócios levavam as crianças para o apartamento de um terceiro casal para promover orgias sexuais, fotografando e filmando as crianças durante o possível ato.
Após ser prestada a queixa na delegacia, o órgão responsável se incumbiu de fazer uma varredura na escola e no apartamento do casal citado pelas mães, não sendo encontrado nada que incriminasse os até então “acusados”, mesmo assim o delegado Edélcio Lemos, sem verificar a veracidade das denúncias e com base em laudos preliminares, divulgou as informações à imprensa. Insatisfeitas com o resultado da investigação as mães comunicam a Rede Globo de televisão, fato este que aumentou ainda mais a proliferação da notícia.
Mesmo não tendo sido encontrado nos locais da varredura nada que realmente provasse a veracidade do crime, todos os grandes veículos de informação aceitaram a denúncia como verdadeira e deram manchete sobre o caso. Notícias que resultaram na depredação e saque da escola e do apartamento, além do linchamento moral dos envolvidos.

O inquérito durou dois meses, tempo onde toda e qualquer denuncia feita (anônima ou não) era sumariamente aceita pelos jornalistas responsáveis pela cobertura dos mais diversos meios. No decorrer desse período foi sugerido até que existia o consumo de drogas durante as supostas orgias e a possibilidade de contágio com o vírus HIV em decorrência dos abusos. Alguns dos depoimentos que viraram matérias em jornais respeitados no Brasil e no mundo não constam sequer nesse inquérito.

O delegado Primante responsável pelo caso até então, após ganhar notoriedade e uma possível promoção pós repercussão do caso Escola base, foi afastado do caso, dando lugar a Jorge Carrasco e Gérson de Carvalho. Grande parte das noticias tendenciosas da mídia eram baseadas em informações anônimas. A partir de uma dessas denúncias, a casa do americano Richard Pedicini foi invadida pela polícia e ele foi detido por pedofilía.

Segundo o denuncista e para os “investigadores” da mídia este seria o “elemento” que estava faltando, o americano seria o contato internacional dos molestadores da escola para comercializar fotografias e filmagens das crianças. Dias depois Gérson de Carvalho desmentiu a ligação e absolveu o americano. O delegado também inocentou os outros seis acusados e o inquérito foi arquivado, pois não havia nenhum indício de que a denúncia tivesse fundamento.

Após o arquivamento do inquérito, os donos e funcionários da escola acusados de abusos deram início à batalha jurídica por indenizações. Além da empresa 'Folha da Manhã', outros órgãos de imprensa também foram condenados. A Rede Globo foi condenada a pagar cerca de 450 mil reais para cada acusado no Caso Escola Base.

O livro de Alex Ribeiro traz aos leitores e principalmente aos jornalistas e/ou estudantes de jornalismo questões cotidianas intimamente relacionadas à Ética Jornalística e a sua importância.

Carlos Crickmam faz uma observação importante sobre o livro dizendo que “O livro é sobre o caso da Escola Base, mas o fundamento de tudo é a responsabilidade da imprensa.” O primeiro meio que recebeu a notícia foi o Diário Popular, que não tendo certeza da veracidade dos fatos denunciados resolveu não se pronunciar. Hoje sabemos que foi uma boa atitude, pois de fato a notícia não era verdadeira, porém, se fosse? Estaria o jornal infringindo o Art. 1° do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros que diz: “O código de ética dos jornalistas brasileiros tem como base o direito fundamental do cidadão à informação, que abrange o seu direito de informar, de ser informado e de ter acesso a informação”.

E as empresas midiáticas que noticiaram a denúncia, infringiram também o código de ética. Em seu Art. 4° O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela sua correta divulgação. No caso da Escola Base, as noticias eram publicadas sem essa apuração. Mesmo que se ponham em questão as denuncias anônimas, pois também no código de ética se diz que “É direito do jornalista resguardar o sigilo da fonte”, mas interpreta-se que seja essa fonte confiável e a informação digna de credibilidade e autenticidade.

Constatado que todos os acusados eram inocentes, a grande vilã da história foi a imprensa. Os jornalistas responsáveis pela cobertura ausentaram-se da informação que consta no Código de Ética dos Jornalistas em seu Art. 8° onde fica dito que “O jornalista é responsável por toda informação que divulga (...)” acrescido por citação do Art. 11 que enfatiza que “O jornalista não pode divulgar informações: (...) – De caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em coberturas de crimes e acidentes.”

Somente dias depois do início da repercussão do caso, um dos casais envolvidos (Mara e Saulo) que fora posteriormente preso, pôde falar. Outra amostra de que na busca pelo furo de reportagem, pela transformação da notícia em espetáculo, os jornalistas esqueceram algo fundamental para um jornalismo confiável, presente também no Código de Ética em seu Art. 12 I – “(...) ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são objetos de acusações não suficientemente demonstradas ou verificadas” e II- “Buscar provas que fundamentem as informações de interesse público.”

Com exceção da Folha de São Paulo, nenhuma rede de televisão, rádio ou impresso se retratou formalmente pelos erros cometidos nem procurou tocar no assunto. Fato que nos mostra que mesmo diante de tanta repercussão e tantas críticas, alguns meios e profissionais se negam a enxergar e tentar de alguma forma corrigir o erro, que neste caso, acabou transformando a vida de muitas pessoas. Mostrando-nos que a disseminação de informações inverídicas não pautadas na apuração dos fatos pode ocasionar na vida das pessoas envolvidas danos irreversíveis a sua reputação.